quinta-feira, 31 de maio de 2007

Nenhum Olhar

HOJE O TEMPO NÃO ME ENGANOU.
Não se conhece uma aragem na tarde. O ar queima, como se um bafo quente de lume,e não ar simples de respirar, como se a tarde não quisesse
já morrer e começasse aqui a hora do calor.
Não há nuvens, há riscos brancos, muito finos, desfiados de nuvens.
E o céu, daqui, parece fresco, parece a água limpa de um açude.
Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente
não ande debaixo do céu mas em cima dele;
talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu
e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.
Um açude sem peixes, sem fundo, este céu.
Nuvens, veios ténues.
E o ar a arder por dentro, chamas quentes e abafadas na pele,
invisíveis.
Suspenso, como um homem cansado, ar.
Há-de ser um instante em que não se veja um pardal, em que
não se ouça senão o silêncio que fazem todas as coisas
a observar-nos.
Chegará.
Hei-de distingui-lo no horizonte.
Tão bem quanto sei isto agora, sabia-o ontem quando entrei na venda do judas e pedi o primeiro copo e pedi o segundo e pedi o terceiro.
Mais, sabia que por toda a planície se calarão as cigarras e os grilos.
De encontro ao céu, as oliveiras e os sobreiros
hão-de parar os ramos mais finos;
num momento, hão-de tornar-se pedra.

José Luís Peixoto
in Nenhum Olhar

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Sugestão

É minha intenção deixar periodicamente uma sugestão
musical, literária, espectáculos, etc.

A minha primeira sugestão neste singelo blog, inclina-se
para o jazz, e para um dos meus músicos favoritos
Pat Metheny e o álbum Still Life (Talking) de 1987


http://www.patmetheny.com/

Tédio

Muito se fala no tédio da vida, nos infortúnios do trabalho,
que nos obrigam a permanecer em casa absortos de tudo e de nada, caídos à sombra do melhor que há-de vir.
Quem nunca passou horas deambulantes de espera, na esplanada de um café,
lendo o jornal na esperança de lá encontar
os esquissos do futuro, aquele que tarda a vir
e que no fim não passa mesmo
de um projecto inacabado?

No meu baú de recordações encontrei no meio de tantos
postais de filmes, um que sempre me fez sorrir... pertence a um filme chamado "Tédio" de Cédric Kahn.
Na verdade, confesso que nunca vi este filme, mas o cartaz fala por ele.


Pessoalmente, enfrento o tédio com a seguinte frase de
Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada:

Há tantas coisas boas na vida,
mas a vida é a melhor.

Espera

Sentei-me no céu à tua espera.
Enquanto brincava com a lua
Era brindado por um mar de estrelas.
Ouvi louvores ao teu ser, à beleza,
à loucura de viver, à loucura de sorrir,
Mesmo quando o fim nos aconchega.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Ao Amor

Sem saber escrever
Desenhei o teu nome por entre as linhas da vida
Entreguei ao sabor da tinta
A leveza do meu pensar.
Vi-te, então... Sentada
por entre luas de prazer
Onde só tu sabes o segredo do amor.
Perguntei-te então
Porque tão longe, esticada a mão
te leva à outra margem?
Que do outro lado do mundo
te oferece o centro,
o inóspito centro onde te prendes
Onde não deixas o grito sair
E então...
Então o mundo, bem... esse mundo
Desaparece.
Como se nunca tivesse existido,
como um simples ai,
ao abrir dos olhos na manhã clara,
no despertar de uma criança.

dedicado a:
Ana Pereira a mulher que me ensinou a Amar
(texto de 5 de Abril de 2007)

Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra cousa ainda.
Essa cousa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Fernando Pessoa